Tinha uma tia que abriria os
olhos se a noite não os fechassem. Era
uma tia que corria de todos que nela tinham como alguém que gostava de um tio
que não tinha mais nenhum tio, sequer qualquer outro. Esta tia era a alegria
das tias. O nome dela era Maria Eulália, a tia que gostava de correr e correr
até o fim da linha, até o fim do mundo.
O nome do seu sobrinho era
Raimundo. Era um sobrinho sortudo-queria que a tia lhe desse o mundo. Raimundo
pensava que um dia sua tia lhe daria tudo. Tudo é mais que o mundo. Tudo é
oposto de nada. Tudo seria tudo se seus dias tivessem uma tia como a minha, tia
Ruinosa, que gostava de tudo e nunca me deu nada. Nem riso, nem risadas, nem
doce, ou abraço apertado-nada...
O Raimundo passava horas pescando
num rio imundo. As águas desse rio eram bem sujas, bem imundas, bem cheias de
tudo, na vaga de nada. Minha tia que sabia bem mais do que o nadador Joel
Asclépio, mirava este rio, mirava o Raimundinho que estava à beira do rio que
era algo desumano. Este rio de águas paradas parava de conter a vida e continha
tantas coisas erradas que dava medo. Era absurdo. Era um rio que se chamava Alkiministrado do Lado Cego do Rio.
Minha tia Ruinosa ao notar que o
rio continha mais do que podia, inventou um dia uma palavra para fazer de conta
que o rio de águas paradas poderia ser um rio de águas...- mudas. Estas águas
eram mudas porque não mudavam: passavam os dias, a minha tia, a tia de Raimundo,
Raimundo, Joel, eu- e as águas não serviriam mais para nada. Por isso mudo
é a palavra que na boca da gente que não
concorda com um mundo melhor, sem palavras cansadas, muda pouco-muda nada...
Minha tia que nunca me dera nada,
seguia contando pelos cantos de todos os
lugares que estava, tudo que não saberíamos ao saber que ela saberia ao
contar. Por isso disse a vocês que minha
tia, que corria como uma corredora, que corria como alguém que contava
vantagens, era uma acorrentada ao fim do mundo( ela tinha inveja da corrida da
tia de Raimundo, a Eulália). Esta minha tia, acorrentada à palavra errada,
nunca saberia desejar algo melhor do que falar de forma errada de uma coisa
errada, de um erro cometido, seja de Raimundinho, seja de alguém. Eu como me viro, como me tenho mais vivo,
tenho que correr das palavras de minha tia Maria, que querem me acorrentar
também. E tentava correr para mim na corrente daquelas águas paradas, sentindo
melhor do que a gente que tem confiança em águas que nos lavam, levam e
explicam. Secas de segredos, secam a boca dos desesperos.
E então, concorrendo com as
palavras certas, na hora correta, sem meias palavras, com a alma certeira e
extenuada de quem vê o errado para
consertar algo errado, junto ao certo, de uma certeza exata e nunca pendente,
plantei à beira do rio morto uma floresta escura, uma floresta escura sem
pássaros, sem relva, árvores, bichos. Uma floresta que se chama povo, que tinha
gente, era pouco, mas era o que se aceitava. Uma cidade, mediante a água, tia
Maria, Raimundinho, Joel, e eu- criamos sem querer uma cidade. Pois tia
Eulália, a tia de Raimundo, havia secado
como as roupas, como as enchentes, como as ribanceiras sem água, desaguadas em
águas recorrendo aos vazios das nunca aguadas, dos pensamentos que se formam,
como nuvens estáticas.
E passamos a viver- ou pensar que
vivêramos- da pura e terrível forma- e de
fórmula em fórmula errada. No fim do mundo, da corrida, da pescaria, da
natação, das palavras desdentadas, que pediram um salário dentro e fora da cidade(
por que me veio a palavra s-a-l-á-rio?). E se multiplicava esta, na dúvida e
precaução de ocorrer de forma certa a forma sempre errada. Uma real tal remuneração.
Esmola por princípio e fim de todos. Um por todos e poucos por um. Num dia em que
se acabou com todas as florestas, a água
muda, sem mudar- as palavras fluíam dentro e
fora de nossas bocas, andando, rastejando pelos ombros de um mundo
inchado de peixes, que queriam respirar, cuidando em ficar bichados-este mundo
que de velho já não cabia mais nada. E nós com problemas, tias, tios,
sobrinhos, todos continuávamos parados, com todas as bocas dentro de nós, buscando enxadas para
matar a hora. Para nos abortar. Nos trincos destes dentes que, parados,
permaneciam, frente às águas inexistentes. E sem querer, utilizavam cada qual muitas palavras para fazer o Raimundinho
sorrir dos peixes mortos, de nossa tia calada. De nosso nadador outro, de
nossas palavras acabadas.
De mim? De conseguir entender o
povo, a floresta a cidade, as enxadas cegas, estes que me detestam e minha tia
por precaução me deu ainda um abraço, ainda um abraço. O único ainda sem
abraço... Nada. Em me detestar ainda mais ao desabraçarmos. Para batizar o mar
seco, sem águas, num verbo calado, desafiando por se passar a aceitarmos,
desafogados, mas rejeitamos, mas compelimos aceitar, mesmo sem dar o troco
desse rio alkiministrado, dessa seca sem verbo, deste estado com sede mas que
reelegerá as águas. Paradas, para todo o sempre. Eleitas, para um novo ex-trago
de 4 anos, complexo e errados, EM 12
ANOS.
Nestor Lampros ( ouvindo Philip
Glass )
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