sábado, 20 de agosto de 2011

REMIR O TEMPO NOSSO DE CADA DIA

A existência requer jogo de cintura e saber conviver com o tempo. Princípio do tempo, na mitologia grega: Saturno deus, e titã, luta para não deixar com que as antigas profecias se cumprissem: que seus filhos o destronassem. Naturalmente conservador, odeia quando sua mulher Rhea tenta salvar seus filhos que ele, Saturno, ou Cronos, devorava para que não se cumprisse o oráculo. É uma nova perspectiva quando Zeus, protegido pela mãe destrona o pai–Cronos-Saturno, devido a um artifício de Rhea. Zeus, vencedor da disputa, faz Cronos vomitar seus irmãos, e temos aí o panteão dos grandes deuses do Olimpo: Zeus o deus definitivo dos céus e da terra e senhor dos raios; Posseidon, deus dos mares; e Hades, deus dos infernos. O deus do tempo continua existindo, mas agora circundado pelas dimensões dos três mundos, ou deidades. Isto para os antigos gregos.

O tempo é próprio de nosso mundo mutável e tridimensional. Sabe-se, segundo a astrofísica, que começou com o Big-Bang, a primeira inicial explosão cósmica, gerando do Caos o Cosmos, o universo em que vivemos.

Incrível é notar que o tempo decorre no sentido psicológico, também, não só o cosmológico, mas interno dos seres vivos. Dentro de nós temos um relojinho para marcá-lo e estamos ligados às variações temporais. Tempos? Sim, e não falo dos fusos horários e sim da marcação do tempo biológico, encontrado nos seres viventes.

As árvores trazem consigo as variações das épocas em seus anéis, em seu corpo. É fácil ver isso quando derruba-se uma árvore antiga: os anéis concêntricos revelam os anos idos. Os animais têm seu tempo, seus ciclos; a natureza repete as estações, tanto na forma visível como no que é oculto.

A música é um evento sonoro no tempo. Sem a marcação dos compassos não há música. Sem isso haveria uma massa informe sonora e entrecortada de silêncios. É o que buscam muitos músicos atualmente.

Os homens e mulheres vivem para lutar contra o tempo. Não aceitam o curto período de vida e querem ser eternos. Esta eternidade, segundo os livros sagrados, mora no coração dos homens e mulheres. Estes vivem e, por vezes, também, não notam o tempo curto da vida. A pontinha do eterno mora nos nossos corações, quando vemos a brevidade de nossa existência.

Para mim o que me atrai no tempo é a oportunidade que nos dá em relacionar- nos com nossa finitude. Passam eras e homens e as mulheres têm que se pronunciar positivamente sobre esta questão.

Remir o tempo é atualizar um eterno presente que desembocará num futuro, que será presente, sim, depois. Ou se olharmos para trás, um passado que continua presente, se não conseguimos nos livrar dele, passado. Daí a exorbitância dos traumas: só porque não conseguimos mantê-lo distantes de nós como um fantasma que nos prejudica se não aferirmos a real importância do tempo passado– somente para nossas melhores memórias. Talvez, um bom diário que nos permita avaliar o que aconteceu. Ele, tempo, parece nos engolir, muitas vezes, como Cronos engolia seus filhos. Dessa maneira não há possibilidade de autonomia em relação ao tempo passado, se, no presente, não estivermos aptos para mudanças. Por isso, a isenção deve ser procurada, e a saudade, ao lado do tempo apaziguado, é algo muito salutar se contemplado com moderação.

Crônica publicada na revista Circulô de Atibaia.