terça-feira, 12 de maio de 2009

JUDAS

"Há caminhos que parecem
certos ao homem,
mas ao final dão em caminhos de morte"

Provérbios

“Qual, Judas?”

“Aquele a quem eu beijar, combinado?”

“Sim. Guardas, espero que o prendam com esforços triplicados. Os discípulos dele são onze. Capitão, tudo certo?”

“Sim, meu senhor, espero que eles não se façam de difícil, estamos armados até os dentes.”

Eu lhes disse que a violência não seria necessário, pelo fato de que eles não passavam de pescadores e nunca iriam concorrer com violências.

A noite estava sumamente agradável. A lua nascendo brilhava tornando a paisagem aconchegante. As plantas do Monte das Oliveiras estavam frescas depois do sol calcinar as suas cores. Tudo transparecia que o meu plano era perfeito. O rio Cedron corria como sempre retratando uma superfície calma e aconchegante nas suas águas.

Jesus não teria falado abertamente que seria preso, senão os discípulos iriam tornar tudo um erro. Mas sei que ele sabia, por isso tinha me dado o sinal, o bocado de pão embebido no molho para que eu saísse. Fora um sinal tácito e com muita felicidade. Não bastaria isso e eu o entregaria com um beijo aos sacerdotes que eu odiava e ainda à guarda que esperava há muito que eu o fizesse o que fiz.

“Salve, Mestre!”

“Judas, com um beijo traís o Filho do Homem?!”

Com aquele grito todos acordaram. O Mestre continuou negociando que os outros pudessem ir sem problemas. Eu disse aos guardas que não era necessário prender os outros. Lá eu vi todos os meus ex – colegas. Lá estava o prepotente Pedro. O flácido João, os outros que estavam meio baquiados pela noite e pela cena estranha, que cedo ou tarde iria acontecer.

Agarram- no e o levaram embora enquanto todos corriam cada qual para um lado. Com medo. Muito medo.



“Judas aqui está o seu prêmio”

“O que é isso? Trinta moedas de prata?”

“Sim, meu amigo, trinta moedas de prata que equivalem ao preço de um escravo. Dá direito a um campo nos arredores de Jerusalém. O Campo de Sangue”

Quando o sacerdote me deu a paga pela traição aquilo não fazia sentido. Jesus estava algumas horas dentro do pátio e eu recebia o equivalente à minha traição. Náuseas eu uma vontade de explodir.

Percebi com clareza o que correspondia aquele dinheiro. Da traição. Eles iriam matar Jesus.

“Mas vocês não poderão matar o Homem.”

“Se ele tem poderes ele que se salve. Quanto a você meu amigo está quite conosco. O processo começou estamos aguardando somente a hora precisa de ir conversar com o magistrado romano...”

Ele dava risadas ululantes, parecia um demônio que queria rir à toa e não parava de mostrar os dentes que pareciam pequenos crânios pedindo para que se fechasse a boca.

A última coisa que ouvi é que ele se despedia com um adeus. E muitas risadas.

A náusea transformou- se em uma jato de vômito e me fez correr para um lado. O sacerdote me seguiu e assim eu joguei o dinheiro que me custava o sangue de um inocente. Joguei as moedas, o saco de moedas ao pé do sacerdote que me olhou estupefato. Parece que me disse se eu iria não querer as moedinhas. Fugi dali para nunca mais voltar.

***

O caminho era um imenso cortejo fúnebre. As arvores estavam me acordando para uma realidade de pânico. As copas das árvores estavam me espiando como a um defunto. Parecia que os seus galhos me apontavam coisas. E o céu de estrelas cadentes pareciam milhares de voltas ou nós que perfaziam os signos do zodíaco.

Mas eu nunca havia parado para pensar que eu fora um dos escolhidos pelo Mestre. Eu e os onze outros. Ele sempre dizia de um novo mundo e de um lugar aonde nós reinaríamos. Os dois irmãos Tiago e João queriam porque queriam reinar cada um ao lado do outro do Mestre. Era um novo Reino... E lá deveria ter um financista que era... – eu! não tinha pensado nisso: havia um lugar para mim no tal Reino. Tinha capacidade administrativa, sempre tive. Tino para comércio e para as finanças, que não poderia demonstrar simplesmente com as querelas das porções da bolsinha que eu carregava.

Deitei na grama mal cuidada e não notei que ela estava forrada de estrume de vaca fresca. Não notei e não faria diferença mais. Parecia que me perfumava de outro perfume que não o da traição.

Ao longe notei que havia luzes. Era um taverna que lançava uma luz bruxuleante. Eu tinha que esquecer tudo aquilo, toda a infelicidade do mundo. Estava com dor de cabeça. Precisava tomar algo para tentar esquecer. Esquecer de mim. De tudo. Molhar os lábios do gosto de um beijo que não saía da cabeça e do paladar.

E além de tudo precisava de uma corda, para me enforcar

Entrei pela porta e vacilante vi um homem gordo que parecia um tal Eglon que vinha do Antigo Testamento. Era gordo e falava rápido. Pedi e me deu uma caneca de vinho. Assim me repeti quatro vezes e ele já não me olhava com complacência e sim com certa desconfiança. Não sabia do porquê, assim que pus a mão no alforje... e não tinha qualquer dinheiro.

“Tudo bem, meu amigo... Judas, não?”

Nada de vacilos qualquer coisa que eu transparecesse poderia fazê- lo ficar provocativamente nervoso.

Eu já não poderia fazer algo mais do que dizer com a cara que eu tinha. Queria sim uma longa corda para me enforcar . Isso veio substituir a dor de cabeça inoportuna e inconformada. Veio abrir para uma solução que não pedia para que se fechasse e sim que me amarrasse no pescoço e sairia por outro lado sem mais problemas.

Assim imerso nesses pensamentos vi que outra gorda estava junto com sua companheira me olhando fixamente. O taverneiro gordo logo sentiu que eu não queria apenas vinho mas também algo mais. O que eu queria mesmo era as roupas das gordas para fugir e me enforcar.

Sem mais qualquer insinuação o plano deveria ser bom. Ele pegou no meu braço e nos levou para o pavimento superior da taverna, subindo por uma escadinha, onde se arranjava uma sala suja e fedorenta, onde as gordas me acompanhando me apertavam sem que eu pudesse esboçar qualquer sinal de conclusão para meu plano de roubar as suas roupas. E me beijaram com suas bocas fedorentas e cheias de dentinhos sem cor, ou melhor, com a cor negra que contrabalançavam com a cor geral da minha vida até ali. Que diferença com o beijo que dera no Mestre e no beijo que dei em várias criancinhas que o Mestre falava serem delas o Reino dos Céus. Beijo de tâmaras e coentro, com o perfume da carne nova que era a um só tempo fresca e tépida ...

***

“Olha, acordou.”

“Finalmente, agora que se divertiu tem que nos pagar. Como vai ser, querido, vai nos pagar agora?”

Eu mal puder me conter em dizer algo e a gorda mais gorda das duas foi logo dando uma chave de braço. A outra a mais sorridente me cuspiu e me deu um soco na altura do estômago.

“Ah, não vai pagar, não.. vamos ver o que acontecerá. Vai lá Oaaliba, vai chamar o Elon, o queridinho aqui não tem com que nos pagar.”

“Pode deixar Aoobá, ele vai se virar...”

“O que está acontecendo aqui suas putas de uma figa?”

“Ë que ele não quer nos pagar por ter nos feito dado prazer a ele.”

“Não quer pagar ou não tem com que pagar?”

Uma olhou para a outra. Confessaram que ele não tinha com o que pagar.

“Se é assim, não se preocupe, amigo, sei o que você vai fazer para saldar a dívida.” Assim despediu as duas prostitutas dando um chute em uma, enquanto a outra saia correndo. O chefe era ele. Eu estava na sua mão.


Eu tive que limpar com muita persistência o buraco do banheiro. Tive que emporcalhar, me ajoelhar e rezar a Deus por tudo e por nada. Tive que reesfregar o piso imundo daquele lugar e quando tudo estivesse deveria de falar com o gordo com risada de hiena e dentes afiados, o Elon.

“Que tal amigo, quer mais alguma coisa. No que eu posso lhe servir?” Ele ria de cada palavra que morria dentre meus lábios. Por fim berrei:

“Quero uma corda, pelo amor de Deus!”

Quando eu disse a menção de Deus o rosto rombudo e careca do taverneiro mudou. Ele disse para deixar Deus longe de tudo aquilo que estava acontecendo comigo. Deu- me dois chutes nas nádegas, que me lançou lá fora da taberna; e me disse:

“Deus não tem nada ver com o que está acontecendo; ora se você queria beber e ir com as gordas o problema é seu, não dele. Deixe- o em paz; que tal?”

“Elon, me dê uma corda, uma cordinha, qualquer uma, de qualquer tamanho. Eu até lavo com a língua sua latrina. Faço com que você aumente suas vendas em 30%...”

Um homem, amigo de Elon começou a dar risada. Tinha uma longa barba e bigodes bem cuidados. Ele riu muito quando eu disse aquilo. Disse algo ao ouvido do taberneiro. Que logo assentiu com a cabeça...

...outra vez para a salinha de torturas sexuais. Agora com o homem de barbas bem feitas...


Elon se despediu de mim com um chute na minha traseira. Estava como que hipnotizado com a malevolência do mundo. Não queria mais viver e a dor nas nádegas era algo de insuportável. Fui embora para nunca mais voltar.


O caminho a seguir era o do caminho logo a frente. Eu andava cambaleando
de um lado para outro parecia que o pesadelo não tinha mais fim. Estava exausto, a madrugada já andava perto. Logo eu que queria ter filhos e uma boa esposa para ser um homem completo. Comecei a chorar com desenvoltura e logo ajoelhei no chão de pedrinhas afiadas, me machucando os joelhos; mas o choro foi interrompido pelo brilho em uma janela a poucos metros . Era minha chance em me redimir em parte em que eu pusesse morrer enforcado numa das extremidades de uma corda.

Bati três vezes na porta quem me abriu foi uma senhora baixinha. Parecia bem feliz.

“O que o senhor quer a essa hora da noite? ”

“Uma corda pelo amor... pelos céus. Pode me dar uma? “

“Qual o seu nome, sr? Para que eu dê- lhe uma corda?”

O primeiro nome que me veio a mente foi a de Pedro. Não quis dizer o meu nome com receio de algo...Estranho: sempre o meu nome o mais bonito, agora que precisava dizer não consegui pronunciá-lo...

“Pedro, senhora, Pedro...”

“Sabe senhor Pedro amanhã serão casamento do meu filho Abrão com uma menina que foi ressuscitada por um profeta que veio da Galiléia, de nome Jesus. Estive preparando, com minha irmã, as vestes com que irá se casar com a bela Tina, filha do sacerdote da sinagoga. O senhor está convidado também, ouviu?

“... uma corda por favor...”

“O senhor quer uma corda, senhor Pedro... deixe –me ver não temos nenhuma corda, mas, há, tenho por sorte dois cintos de tamanho grande ... um eu dou para o senhor, não precisaremos de dois. Vou lhe dar o mais bonito!”

“Obrigado senhora.”

“Não há de quê, mas se permite vou dar uma benção em seu nome e de seus problemas, que Deus perdoe os seus pecados, tanto faz qual sejam eles. Vá em paz senhor Pedro, vá em paz, vá em paz!...”

Logo a seguir o galo cantou. E cantou outra vez.

E eu fui para nunca mais voltar.


No monte de frente a Jerusalém, encontrei uma árvore no meio daquela noite para mim. Tudo o que fizera fora porque pensei que minha lógica era suficiente para que Mestre Jesus se mostrasse que era quem de fato muitos queriam, que ele fosse: o Rei em Israel.

Nada disso. Tudo por água abaixo.

A árvore que eu estava pensando ratificar o meu fim foi a árvore do penhasco. Pisei em alguns ovos, não sei se de pássaros ou de serpentes... pareciam a coisa mais firme que eu já fizera. E no mais não tinha do que reclamar. Pus a volta da corda no meu pescoço, depois de amarrar bem atada num dos galhos, saltei apara o infinito.

Não foi nem dessa vez. Não tive sorte e o galho se rompeu, e eu rolei para baixo, no abismo...


“Pedro, esta noite foi longa e difícil, não?”

“Diria terrível... olha à distância, parece um corpo, não é João?

“Sempre por aqui nesta parte de Jerusalém aparecem corpos fruto de suicídio. Esse infeliz deve ser outro para a qual a esperança acabou...”

“E a nossa esperança, de ver o Mestre livre será que ocorrerá? “

“Não sei, João... Mas sei por algo dentro de mim que as coisas não aconteceram para tudo terminar num pátio romano, ou no monte da caveira numa crucifixão...

“Como assim?... mas olha o corpo está sendo devorado por cães. Deveria ser muito rico olha o cinto que está em torno do pescoço, parece de ouro batido... mas olhe, Pedro, este sorriso. O sorriso do infeliz...”

“ É Judas!!...”