quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

ODORES



                                                                                                             À Marta Alvim

Entre todos os aromas, os mais refrescantes: aroma de amoras em pé de guerra; aroma de Roma sem catacumbas; aromas de voz em tom de hortelã; aurora de noz em tempo de fome; aroma de sombra no perfume do sal.
Minha toda ela alegria se ria ao encontrar no vórtice de tua ausência o perfume da inocência.
Ainda se ria de todos que se riam, de mais do que todos se riam do aroma do sono na penumbra. Torno-me a procurar-te na funda cava dos olhos que sonham a noite. Num rio e seu aroma de peixes e fome de sopas de peixes, ostras e camarões gigantes ainda vivos.
Minha fome desanca  a intempéries dos aromas das ruas. Da minha cidade, das padarias criando a fome de pães, do café moído, das noites das horas compostas em sua redundância macia. Café, pão-fome destacada pela macia prova de uma manhã.
A sobra dessa sobra de sombrear outros paladares não me convence, pois tudo devemos ao perfume, a obra custosa  das flores acompanhando os prados e os campos devendo suas cores à  amarelescência forte de todos os odores. E leite e mel.
Minha fome de estacas refuta o sangue coagulado. Este que cheiro assim meio ao lunfardo.  Os ossos cheiram à podridão; cheiro que atrai moscas e urubus. Gente que nunca é gente, mas fornalhas de corrupção. Introvertidos de vida contraem dívidas com solidão. Espíritos atraídos pelo arroubo dos sentidos desconexos, dos sentidos embriagados de morte e vaticínios. Da morte e sua sina em significar ao apodrecer indesejada.
O cheiro da morte causa confusão, desenlace. Solidão tem odores de cortinas rasgadas e cheias de mofo. Cheiro de casas abandonadas, ou de velhos que nunca se banharam de novo; pior é sentir a boca com o dente cariado. E beijá-lo sem nojo.
Crianças tem cheiro de talco, de leite sem ou com açúcar, de banho tomado. De novidade. Suas mães dão a elas o foro especial de concluírem os ventos que serpenteiam as válvulas de escape da família. As famílias familiares do sopro de vida.
As meninas moças saem pelas janelas dos quartos, no assombro de sua velocidade perfumada, de sua alteridade impensada, de sua relutância sossegada.
Minha mulher cobre-me de perfumes insólitos. Roupas lavadas e centrifugadas em lençóis mornos. Os  dia passam entre perfumes que se mantém estáticos. Lanças vivas em meu corpo.
Há alguns seres que não mantêm em sua sina o corpo do odor. São eles, mas não mais do que insuficientes em existir: o gelo, o diamante, as unhas, a dor.
O coração aventa dentro seus perfumes na correnteza morna. Fluidos de corações entre a fortaleza. É ele o perfume da vida construído se doado. Se doado ele é o perfume nascendo para a vida de outros. E salvado do nada os corações e corpos antes vazios de tudo e todos. A vida prescinde do coração-dele provém a vida em sua caudalosa instância de existirmos. Perfumes ricos em significados. Caetano cantou:“Existirmos- a  que será que se destina?...”

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Novo site do artista plástico e escritor Nestor Lampros

Amigos acessem meu novo site. Nele vocês poderão adquirir pinturas e desenhos meus. O endereço é o: www.nestorlampros.com.br

O NATAL DE ALICE



  
Alice via nas estrelas desejos. Um desejo dela que há muito tempo foi um pedido para uma estrela  distante. Alice saía para o jardim e quando o sol abaixava queria descobrir sempre  a primeira das estrelas. E as estrelas a descobriram.
O espírito de uma estrela, da  constelação de Pégaso,  quis fazer uma surpresa para  a menina tão diferente das demais. A estrela a observava também a cada por de sol. O espírito bondoso  achava a menina muito magra, mal vestida, com trapinhos, rosto muito branco, sempre com sua bonequinha Mimi à mão. A mãe de Alice havia morrido de peste e seu pai casara com uma mulher perversa, má e estúpida. Ela fazia com que Alice desde muito pequena tivesse que ajudar na casa, a limpar, cozinhar e passar. Seu pai ficou cego e não podia fazer nada para mudar a situação.
A estrela se transformou, um dia, ao descer a terra como  um velho sábio. Era véspera  da noite de Natal e Alice como sempre ficou satisfeita só ao enxergar todas as estrelas do céu. Fazia frio naquele começo de  noite e a menina estava descalça.
Um velho muito alto e barbudo tocou no bracinho magro da menina que se assustou. Ele a tranquilizou.
- Menina, não fique intranquila...
- Quem é o senhor?
- Sou alguém que nota em pessoas como você  uma grande tristeza e tenta ajudar.
-Ajudar? Como assim? – Alice se virou e tentou ver se havia alguém mais olhando, quando reparou que os flocos de neve haviam parado no ar, como por encanto.
- Não se incomode,  Alice. Na verdade eu  trago uma resposta para  o pedido que você fez o ano passado, nesta mesma época. No Natal passado.
Aí Alice se lembrou do pedido àquela estrela que primeiro aparecia no céu quando do por do sol. O velho homem continuou:
- Você sabe que as pessoas que sofrem neste mundo são muito preciosas para Deus?
Uma nota de alegria esboçou-se no rosto pálido da menina. Ela acenou que sim.
-Então, Alice, venho lhe trazer esta caixa que poderá ser aberta  somente quando seu pai falar  a palavra mais importante, e quando sua madrasta disser a palavra mais bonita. Você vai ter que saber quando eles falarão. E abrirá a caixa, como disse. E de dentro dela você poderá ter realizado  o seu desejo como sempre esperou.
O homem deu à menina a caixa de madeira que parecia não ter tampa. Era maciça e tinha um cheiro de pino. Era de cor de madeira sem tirar ou pôr nada além.
A menina pegou a caixinha que podia encerrar algo bem pequeno, como um botão de camisa ou uma semente de carvalho. Enfiou-a no bolso da saia puída. Mas ao tentar agradecer o velho homem ele havia desaparecido.
-Alice, saia da neve. Venha para dentro, está na hora de dormir! Amanhã terá muito o que fazer!
Era sua madrasta que chamava.
Alice só olhou para cima com seus grandes olhos negros para tentar ver a estrela que sempre tinha brilhado para ela nos  céus extremamente escuros do inverno.
Foi assim tentar dormir, agradecendo ao homem velho e barbudo aquela estranha caixa que ele lhe dera. Cobriu  a bonequinha de palha de milho  e fechou os olhos.
Abriu os olhos novamente: foi só aí que pela janela Alice percebeu que os flocos de neve caiam. Não estavam mais congelador e parados no ar.

Alice acordara com a voz estridente de sua madrasta. Ela dormia com as outras filhas da mulher, Devorah e Elisa. Ela era a menor das três, mas por ser filha da mulher que sua madrasta dizia ser uma “inútil” ela jogava no rosto de Alice todo a espécie de impropérios e de palavras mal educadas.
-Alice, vamos, sua menina preguiçosa, levante-se, vai ter que limpar o chão imundo, depois do café.
O pai de Alice estava na mesa. Ele tinha sérias dificuldades em se acostumar com a cegueira. Tinha sido um bom ferreiro e aí veio a doença que o deixou cego. Antes já estava casado com  Evellin, a madrasta de Alice, e ela só não o deixou porque também não tinha para onde ir. Pelo menos a casa em que viviam era do senhor Adolfo e era uma boa moradia, embora muito pobre.

Na mesa, Alice se lembrou das palavras da noite anterior do homem que lhe deu a  caixinha. De si para si ela repetia que deveria estar alerta. Que enquanto ela ouvia a conversa ela deveria observar quando seu pai deveria dizer a palavra mais importante e sua madrasta a mais bonita. Mas como saber disso? Como avaliar qual seriam estas palavras se eles poderiam falar palavras e ela poderia interpretá-las mal?...
- Evellin, por que  está tão frio?
-Ora, é que  é inverno. É natural o frio, Adolfo.
-Deus nunca faz as coisas sem uma razão de ser.
-Sim. Dizem que Deus é Pai.
Alice olhou para as duas meio - irmãs que  brigavam por um pedaço de pão na mesa. Tudo parecia parado. Se lembrou das palavras,  mais uma vez,  do velho homem sábio. E deixou soltar um grito. Todos se viraram para ela. “ As palavras aconteceram, mas sempre eles falam a mesma coisas, só que eu ouvi isso de forma diferente hoje”, pensava.
Ela tirou do bolso a caixinha e observou que  uma tampa apareceu por encanto. Logo as meninas olhavam com espanto para a caixinha e o pai e a madrasta também. Ela parecia irradiar  intensamente. E Alice  a abriu.
Uma luz intensa espalhou-se pela cozinha da casa rústica. Depois uma pequena estrela brilhava e flutuava, saída da caixa,  com todas as cores do arco-íris. Ela ecoava na cabeça de todos  na mesa dizendo que estava ali para dar  a cada um o que mereciam as dádivas do céu. Ela iria dar a cada  um  o que mais queriam, não da forma que eles poderiam pedir mas como a estrela brilhante interpretava os pedidos e suas intenções vindas do fundo do coração. E os pedidos não poderiam ser avarento,  egoístas, ou ruins.
A madrasta de Alice tornou-se uma estátua de gelo.
As meninas, meio irmãs de Alice, tornaram-se, uma um sapo, e a outra um cactos.
O pai de Alice tornou-se feliz,   mesmo com a cegueira.
E Alice teve restituída sua mãe vinda do outro mundo.
A estrela saída da caixinha  partiu atravessando as paredes da casa. Do lado de fora, o velho e sábio homem estava olhando tudo com muita atenção pela janela e pode perceber que o natal daquela família seria inesquecível. A menina Elisa  tinha o coração puro e por isso seu pedido foi realizado- sua mãe voltara do mundo dos mortos.
O velho homem satisfeito e com um grande sorriso deixou a terra e rumou para  o céu.
Como memorial daquele natal, a caixinha permaneceu em cima da mesa, vazia;  e os corações cheios de alegria e júbilo  não cabiam mais em si.