É estranho, mas o escritor é de um narcisismo compulsório e
imensurável.
Carrega seu livro e quer que todos o vejam. Se enterneçam por
ele. Morra de amores por ele. E pelo menos deem a vida pelo seu livro.
Não é nenhum crime isto, mas me causa formigamento ver meu
livro entre minhas mãos. Deu tanto trabalho. Parece-me menor do que os
problemas que o geraram. Mas confio nele como
a mão confia no filho que andou pela primeira vez cantando pelo mundo,
com certa dose de preocupação, gerada na dúvida: será que errei, será que
acertei?
Sua conclusão, é natural, leva além do tempo exíguo a
aparência destoante de que tudo foi feito, mas falta algo. Ou alguém.
O leitor, ora, não posso me esquecer!
Os livros só vivem se tiverem quem os leiam. Que peguem e recitem as palavras, mastigando linha por linha as fórmulas ocultas, nos
poemas( que é minha área). Que os tragam à existência tênue e virtualmente; que
os considerem na brancura da página e estreiteza das palavras, que buscam
nascer.
E sempre nascem. Sempre. Renascem, translúcidas da forma
natural, quase com o amor com que flutuam. Ou pungentes, como a dor que
enclausura.
A vida dessas palavras descortina o mundo. Ou o encobre para
fazermos viver melhor a vida. Não podem ser verdadeiras, porque sairiam cópias
infiéis. Estas palavras não nascem da verdade porque a Arte, é, na verdade, “uma
mentira que nos faz aproximarmos da verdade”( Picasso).
Mas o leitor se transforma quando lê, quando refoga sua mágoa
no mundo das palavras, que significam. Olha e vê à sua frente o bosque e mais à
frente uma cidade. Na noite colhe estrelas e recolhe as flores mortas pelo
cansaço dos dias.
Têm as palavras, para o leitor organizador, ou reorganizador,
a procura de certa ordem. Convêm tratar as palavras como um alguém que maltrata
a vida e devolve para a arte uma dívida.
Sem sangue ou limbo. Neste reino, quase substituído pelas
facilidades das imagens soltas, a cobrança insistente das andanças, em campo
minado.
Estilhaçando o mundo na capacidade de recriar, no livro, nos
livros: amanheceres com músicas sem o quarteto de cordas que dorme no sono das
palavras. O eco negociando o sonho escrito pelo verbo domador de faróis. Que irisa os olhos que cantam.
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