segunda-feira, 20 de maio de 2013

LIVRO: CAMPO MINADO



É estranho, mas o escritor é de um narcisismo compulsório e imensurável.
Carrega seu livro e quer que todos o vejam. Se enterneçam por ele. Morra de amores por ele. E pelo menos deem a vida pelo seu livro.
Não é nenhum crime isto, mas me causa formigamento ver meu livro entre minhas mãos. Deu tanto trabalho. Parece-me menor do que os problemas que o geraram. Mas confio nele como  a mão confia no filho que andou pela primeira vez cantando pelo mundo, com certa dose de preocupação, gerada na dúvida: será que errei, será que acertei?
Sua conclusão, é natural, leva além do tempo exíguo a aparência destoante de que tudo foi feito, mas falta algo. Ou alguém.
O leitor, ora, não posso me esquecer!
Os livros só vivem se tiverem quem os leiam. Que  peguem e  recitem  as palavras, mastigando linha por linha as fórmulas ocultas, nos poemas( que é minha área). Que os tragam à existência tênue e virtualmente; que os considerem na brancura da página e estreiteza das palavras, que buscam nascer.
E sempre nascem. Sempre. Renascem, translúcidas da forma natural, quase com o amor com que flutuam. Ou pungentes,  como a dor que enclausura.
A vida dessas palavras descortina o mundo. Ou o encobre para fazermos viver melhor a vida. Não podem ser verdadeiras, porque sairiam cópias infiéis. Estas palavras não nascem da verdade porque a Arte, é, na verdade, “uma mentira que nos faz aproximarmos da verdade”( Picasso).
Mas o leitor se transforma quando lê, quando refoga sua mágoa no mundo das palavras, que significam. Olha e vê à sua frente o bosque e mais à frente uma cidade. Na noite colhe estrelas e recolhe as flores mortas pelo cansaço dos dias.
Têm as palavras, para o leitor organizador, ou reorganizador, a procura de certa ordem. Convêm tratar as palavras como um alguém que maltrata a vida e devolve para a arte uma dívida.
Sem sangue ou limbo. Neste reino, quase substituído pelas facilidades das imagens soltas, a cobrança insistente das andanças, em campo minado.
Estilhaçando o mundo na capacidade de recriar, no livro, nos livros: amanheceres com músicas sem o quarteto de cordas que dorme no sono das palavras. O eco negociando o sonho escrito pelo verbo domador de faróis. Que irisa os olhos que cantam.

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