Sou são-paulino, não sou afeito a
purpurinas( nada contra desde que
purpurinem-se com respeito), mas aprecio cerveja, mulher e com moderação,
o carnaval.
Não sou populista, pois se assim
fosse estaria apenas fazendo menção do dr Sócrates pela perda, no vazio da sua
presença instigante e pela popularidade que isso poderia trazer. Por que iria
fazer uma crônica sobre o dr, nestes aspectos, se sou são- paulino?
Já disse que não sou corinthiano,
mas tento respeitar todos os times e
suas torcidas e todas as religiões. Acho que
o motivo maior em respeitar o
diferente é aprender com as diferenças o que não é nada fácil.
Sócrates poderia ter o epíteto em
sua essência de corinthiano- mor, o maior, ou um das maiores figuras do
Corinthians de todos os tempos e do
futebol brasileiro.
Eu tinha pouca idade quando
Sócrates jogava. E me lembro das jogadas típicas deste gênio-não há adjetivo melhor-gênio dentro do campo e
fora.
Não direi das jogadas erradas com
a sua saúde, embora fosse médico e consciente do que poderia acontecer se
procedesse da forma que procedeu. Não estou aqui para julgá-lo( como fez um
jornaleco de uma dessas corrente que se diz cristã, que muito me indignou, com uma matéria sobre Sócrates e sua doença, que
tinha em letras garrafais: “E AGORA DR?...”)
Sócrates foi a principal figura
da Democracia Corinthiana, exemplo maior da politização que envolveu o
Corinthians e por conseguinte toda a
sociedade brasileira na década de oitenta, com a abertura e o final da ditadura
militar. É inesquecível sua participação nos comícios-monstro das diretas.
Todos queriam aspirar ao ar de liberdade e queriam escolher o rumo e o caminho a seguir. Ele nunca se omitiu.
Esteve engajado dentro de campo com seus toques fabulosos de calcanhar que o
imortolizaram( para muitas vezes até humilhar meu time, o São Paulo, em
especial em 1983- na final do campeonato paulista), assim como seu
posicionamento político fazendo dar vazão à voz dos jogadores, principais
atores no espetáculo do futebol.
Quando o dr Sócrates jogava
dava a nítida impressão que haveria algo
saboroso saído de seus pés e de sua Inteligência. E vinha, seja um lançamento cortante, ou manso,
um petardo de fora da área. Lembro-me na Copa de 82, na Espanha, no gol que fez Éder quando o doutor deixou a bola passar por entre suas pernas para que
fizesse o gol, um chutaço que venceu o grande Dassayev, da então URSS...E o
Brasil venceu o time russo por dois a um, com destaque também para o gol da
URSS onde um jogador( não sei mais o nome) chutou de longe e o Valdir Peres,
que era goleiro do São Paulo, entregou –se com a bola passando por entre suas
pernas de forma vergonhosa...
Mas o São Paulo e o Corinthians
estão ligados por laços consaguíneos. É que nosso maior ídolo, modernamente
falando, o Raí, era irmão do dr. Estilos
muito diferentes, mas a marca de genialidade os unia. Com Raí o time tricolor paulista
foi imbatível, ganhando tudo sob a batuta do mestre Telê Santana, no começo da
década de 90. Com Sócrates o Corinthians se não ganhou tudo deixou uma marca
indelével na história do time. E do futebol brasileiro.
Raí era forte, contrastando com a
figura vertical e elegante de Sócrates. Mas é na força física que Raí conseguiu
se sobrepor ao gênio franzino do dr. Raí
era disciplinado, o dr nunca foi. Raí decisivamente tomou para si a
responsabilidade de levar o time ao topo. O dr também, só que com um time que
causava inveja aos jogadores e técnicos dos nossos brasileirões, pobres campeonatos brasileiros contemporâneos.
Talvez, hoje, seja o Santos que tenha uma equipe muito bem construída e
organicamente coesa, com o jovem Neymar
despontando agora com suas jogadas de encher os olhos. Mas isto é matéria de
uma outra crônica.
O dr Sócrates rompeu com
paradigmas aliando o esporte à política. Tinha opinião, não era uma massa
informe e amorfa que se refastelava nos bordões dos jogadores. Opinava e
criticava com arguta sabedoria e com humor ácido, sobre futebol e o que fosse.
Homônimo do filósofo grego Sócrates, nunca o nome foi tão bem escolhido em ser usado para este homem, corinthiano de coração e
aberto às possibilidades de discussão de ideias dentro de uma inteligência viva
e penetrante. Nosso Sócrates deixa-nos com a nítida impressão de que pensamento
e futebol, um e outro, precisam andar juntos no metier do jogo da bola. E
fora dela, também. Se isso for possível ainda.
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