É o mesmo traçado do rosto, mais
empoeirado. Mais lodoso, sem escamas, contudo, sem muitos desertos. Aberto com
os olhos pendentes. Sem cigarro mais. É,
este, sou eu. Não me encontro sem
a memória. Ela é interior, duma interioridade que faz nascer plantas no mar de
sargaços. Estou, assim, pedindo com que o tempo arregace suas mangas e me traga de volta.
Pedindo, pedindo- perdido?
Quarenta e um anos, com uma vida que se não foi a mais bela, uma das mais
esmeradas. Esmero. Esperando a vida sonâmbula colidir neste dia seis de janeiro
de 2012, cumpro parte de minha missão: narrar o que fora acontece e dentro se
espaça como a noite que vem, como o dia que some. Como os cavalos avassaladores
sem um pasto definitivo. Porque não existem mais cavalos, e os pastos deram origem às cidades esdrúxulas.
Mas me pego por aí caçando
palavras, roteirizando minha vida, agradando a uns e não a outros. Outros que me dizem ser eu
um ser que não refletiu o bastante para enxugar os olhos, sem ter colírios para
o coração. Estou nesta encruzilhada desde o começo. E o fim perseverava.
As noites já as passei no frio,
jogado ao relento em ruas em que seus donos me permitiam que meu dedo mínimo
pousasse. Estranha sina em ser pássaro. Entre as cidades machucadas, entre os
escombros que matam e ferem.
Mas o que mais me obriga é o que me arma de palavras: facas e foices, cabeças
vão rolar, entre os perigos. Passado que volta em minhas revoltas revoadas.
Presente que me presenteia na hora em que chego.
E cheguei e agora desopilado
neste seis de janeiro de 2012, em minha casa, encontro certos abraços que me
abraçam, certos beijos que não me traem, certas horas inomináveis que me fazem
personificar algo... alegrias... beatitude... alegria, mesmo. E o tédio de que me
fez um achando horrível? me presta o socorro numa
floresta. Esta floresta que de sua seiva me faz um homem que encontra o
refúgio. Minha idade no espelho? Está perdida, porém, encontro-me mais humano.
Ela, de quem falo, é Yndiara sobrevinda à época mais humana em minha existência.
No seu companheirismos diário.
Ela me mostrou que a nudez se apresenta como desenho e nunca é
castigada. Que a voz apresenta-se como
murmúrio de muitas águas, como os profetas antigos constavam em seus textos, na
emanação da divindade. A presença de Yndi me alivia, me faz leve e desta leveza
me faz um golfinho, que nada sempre em direção dos nossos desconhecidos. Somos
profundos, e nadamos nesta profundeza, neste ar rarefeito para experimentar da
melhor água que se decide por nós. Sem notificações, memorandos, ações de
juízos, dívidas. Falta de juízo―eis
a moral que encobre a noite e faz do dia um cego. Que caminha como
Tirésias rumo à verdade.
Certa noite eu a presenteei com a
Lua. Ela escolheu um beijo meu e fomos
adiante.
Nesta estação que começa com o esquecimento
dos relacionamentos e consome-se com a
indiferença, não temos mais que notar o tempo. Embora haja este na minha face,
no canto dos olhos, nesta forma violenta de visibilidade errônea, nos espelhos.
Mas tenho que notar na independência e na grandiloquente textura dos dias que
custaram a nascer e que agora, longe da dor, encontro mais e mais perto da
minha vida, nossa vida, como um só diamante. Em nossas faces que nunca duraram
mais do que uma existência, e que, sobretudo por isso, são eternas.
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