segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

DIANTE DO ESPELHO


                                            




É o mesmo traçado do rosto, mais empoeirado. Mais lodoso, sem escamas, contudo, sem muitos desertos. Aberto com os olhos pendentes. Sem cigarro mais. É,  este,  sou eu. Não me encontro sem a memória. Ela é interior, duma interioridade que faz nascer plantas no mar de sargaços. Estou, assim, pedindo com que o tempo arregace suas mangas e me  traga de volta.
Pedindo, pedindo- perdido? Quarenta e um anos, com uma vida que se não foi a mais bela, uma das mais esmeradas. Esmero. Esperando a vida sonâmbula colidir neste dia seis de janeiro de 2012, cumpro parte de minha missão: narrar o que fora acontece e dentro se espaça como a noite que vem, como o dia que some. Como os cavalos avassaladores sem um pasto definitivo. Porque não existem mais cavalos, e os pastos deram  origem às cidades esdrúxulas.
Mas me pego por aí caçando palavras, roteirizando minha vida, agradando a  uns e não a outros. Outros que me dizem ser eu um ser que não refletiu o bastante para enxugar os olhos, sem ter colírios para o coração. Estou nesta encruzilhada desde o começo. E o fim perseverava.
As noites já as passei no frio, jogado ao relento em ruas em que seus donos me permitiam que meu dedo mínimo pousasse. Estranha sina em ser pássaro. Entre as cidades machucadas, entre os escombros que matam e ferem.
Mas o que mais me obriga é  o que  me arma de palavras: facas e foices, cabeças vão rolar, entre os perigos. Passado que volta em minhas revoltas revoadas. Presente que me presenteia na hora em que chego.
E cheguei e agora desopilado neste seis de janeiro de 2012, em minha casa, encontro certos abraços que me abraçam, certos beijos que não me traem, certas horas inomináveis que me fazem personificar algo... alegrias... beatitude... alegria, mesmo. E o tédio de que me fez    um achando horrível? me presta o socorro numa floresta. Esta floresta que de sua seiva me faz um homem que encontra o refúgio. Minha idade no espelho? Está perdida, porém, encontro-me mais humano. Ela, de quem falo, é Yndiara sobrevinda à época mais humana em minha existência. No seu companheirismos diário.
Ela me mostrou que  a nudez se apresenta como desenho e nunca é castigada. Que  a voz apresenta-se como murmúrio de muitas águas, como os profetas antigos constavam em seus textos, na emanação da divindade. A presença de Yndi me alivia, me faz leve e desta leveza me faz um golfinho, que nada sempre em direção dos nossos desconhecidos. Somos profundos, e nadamos nesta profundeza, neste ar rarefeito para experimentar da melhor água que se decide por nós. Sem notificações, memorandos, ações de juízos, dívidas. Falta de juízo―eis  a moral que encobre a noite e faz do dia um cego. Que caminha como Tirésias rumo à verdade.
Certa noite eu a presenteei com a  Lua. Ela escolheu um beijo meu e fomos adiante.
Nesta estação que começa com o esquecimento  dos relacionamentos e consome-se com a indiferença, não temos mais que notar o tempo. Embora haja este na minha face, no canto dos olhos, nesta forma violenta de visibilidade errônea, nos espelhos. Mas tenho que notar na independência e na grandiloquente textura dos dias que custaram a nascer e que agora, longe da dor, encontro mais e mais perto da minha vida, nossa vida, como um só diamante. Em nossas faces que nunca duraram mais do que uma existência, e que, sobretudo por isso,  são eternas.

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