sexta-feira, 25 de junho de 2010

NÃO FOI AQUI QUE NASCI, MAS FOI AQUI QUE MORRI VÁRIAS VEZES



Não foi aqui que nasci, mas foi aqui que morri várias vezes;
palavra por palavra nenhuma se ouviu,
enquanto vivo escapava do teu mito,
Atibaia, da sua secura feita de águas amargas, mas
tão feita aos  teus que se propagam nas aventuras além das torres.
O comando da montanha grande e pedra me envolve no teu
mito dourado, tão intenso à  tua mais ampla fartura.
Nada de procurar a fonte dessas águas, tão estranhas que te entranhas
no nihil do teu vasto chão de marfim podada  de ferro e sempre;
sempre acolhendo o desavisado sua vida no teu monte calvo; águas imensas
de contraste  com teu fundo e espesso convite de bêbado,
águas que nunca suportaram a vida além das quatro portas
e das paredes de suas casas. Além de retornares para além da fresca
ânfora, homens e mulheres absortos em serem iguais mais  ao  outro outono.

A primavera da vida dos outros é a  família de onde se extraem
os teus mitos aquáticos e mais novos:
como os cães que vivem em tuas ruas, ou dos gatos em seu saltos
ou os pássaros em seus ritos maduros.
Ou as baratas que vivem e morrerão no escuro.
Na altura das tuas paredes virtuais o completo enigma,
enigma do  teu frescor de chão, de água, de pedra;
Drummond falava de sua terra de aço, minha terra é de lama dentro
dos ouvidos que assim percebem a água de barro, antes
de tudo, minha febre absoluta e relativa,
minha terra de neblina antes do Cristo Rei ser rei;
antes dos Pires casarem com os Camargos e serem nome novos de ruas.

Atibaia, terra aonde moro e vivo, absolutamente, dentro de minha casa
casca de ovo segura e intacta, prevejo o meu nome entre
os homens da triste figura. É meu bairro o lugar aonde fico calado.
Pronto para renascer cavado e escavado, no monte e que sustenta a porta
dos meu quarto, pedinte e onde eu estou cansado e faço dos riscos do
meu desenho meu quadro:

“Estou só na cozinha da casa dos meus pais.
São aposentados. Ela, minha mãe, dorme;
Meu pai assiste TV e eu estou só a escrever.
Pupy, a cachorra, desliza com suas patas lá fora.
Dentro estou eu e dentro de mim estou eu.
Na mesa as formigas buscam fronteiras
E o pão e a mesa revestem – se de amanhãs
Talvez café com leite e açúcar; talvez não.
Estou a escrever o poema e ele é preciso
Como a mão é preciosa ao olhar e nada.
Parece contristar –me. Estou só e minha
Vida é pesada em algum canto da cidade
Por dois pobres cuidando de suas feridas.
Sou pesado para ver se continuarei vivo,
Ou  tudo permanecerá terça- feira para sempre...”

Não foi aqui que escolhi,
mas foi aqui que me perdi
várias vezes. Entre as caminhadas em dias de chuva,
encharcando minha camiseta
com águas  amáveis
que caminhavam
nos corredores das ruas paradas.
Estou assim preclaro e dentro
estipulo minhas penas, minhas missas
minhas perdas e baques rápidos.
Estou assim parado e busco reencontrar-me
na fuligem das casa e nas frutas trânsfugas das feiras.
No futebol do sábado. Nas esperanças do domingo.
No irrisório das famílias que inventaram o amor, este,
que se esfalfa entre os bigodes do velho
e o amor da prostituta que se despe, nova.
Esse que se desfigura nas reentrâncias da noite
e que se veste de dia bem devagar.

E que se mata de trabalhar entre as peças das engrenagens
e se bifurcam nos dentes que me sorriem.

Palavra por palavra
ouvi o tropel das bandeiras, dentro dos hinos,
dentro das crianças que levavam para suas casas os tiros de um índio
( que já não existe em parte alguma...).
As crianças que se perduram no campo alheio e penso;
na cavalgadura de um passado encoberto
nos olhos íngremes de uma estrela sufragada,
no riso temporão dos informes longos;
até esta criança levantar a sua bandeira quadrada,
na insônia prenhe de uma bola de meia,
que se tenta levar para sempre na criancice
de  brincar com os índios, presentes em uma folha de árvore
para se tornarem mais um mito em Atibaia.

Não foi aqui que nasci, mas morri
tamanhas vezes, na intempérie
das tempestades que cabiam na palma da mão.
Até sufocar – me na idéia de me tornar chuva e poeira
na metade dos olhos abertos em esquecer – me
por inteiro no rio Atibaia,
que se tornava chuvisco na consciência.
O que era pleno e inamovível,
uma pedra no meio do caminho.
E que foi embora sem sequer ter nascida.

Assim revisto – me do tanto em gotas
e problemas interferindo,
até se mostrar como coisa plástica, reusado de longe,
acontecendo de voar em minha cidade.
Ou naquela que não me aceitou, nunca, rindo. Sempre de luto.
Ao mesmo tempo que denoto,
a influência da cidade em minha vida,
em minha morte, em meus devaneios.
Para além das casas e postes, com suas luzes amarelas
para além de formosura estrela de brancuras mornas.

Na rua suja, dois alpinistas
se ensalmouraram.
Não foi aqui que revivi,
mas foi aqui que sonhei uma centena de vezes.
Palavra que não minto de edificar o meu rio
de águas boas. Onde apreciando às vezes, sortido, inaugurei o  princípio
da cidade azul  e rosa. Ao longe de suas casas. Sem saber que o mito
edificava a si mesmo, sem parar, sem nascer- se no infinito das coisas.



Um comentário:

carmen silvia presotto disse...

Que bom passeio por Atibaia. Teu lirismo espanta de tão concreto... Que Poema, Nestor. Parabéns!!!

Um beijo amigo e carinhoso

Carmen Silvia Presotto
www.vidraguas.com.br