“O vento nada pode aprender da cidade”.
(provérbio Árabe)
Nestor Lampros
parece olhar e não enxergar a aparência do supérfluo. Seu olhar é penetrante e
atinge a essência, a vida, a alma... Creio que isso me levou a prestar a
atenção em sua produção artística. Uma pessoa aparentemente calma e educada,
com um certo ar de humildade, o que hoje é uma verdadeira riqueza, considerando
que entre os artistas, geralmente, o orgulho e a exibição falem mais alto.
Nestor é
cativante ao se envolver no mundo artístico. Aliás, o seu mundo artístico está
em simbiose constante com o mundo real. Para ele, fantasia e realidade comungam
do mesmo bojo: o da vida.
O seu olhar,
aparentemente distante, é penetrante ao sentir o mundo. Reflete o seu dia a dia
por meio das artes plásticas, da poesia e do humor, esboçado em charges,
caricaturas, quadrinhos e em ilustrações diversas. Para ele, o metier das artes
vem de longa data por ter em seu seio familiar a presença de pais com sensibilidades
artísticas, Lukas Lampros e Hissae Isejima. Seu pai, Lukas, recebeu homenagem
por sua carreira como artista, mostrando suas pinturas no 16º Encontro de Artes
Plásticas de Atibaia. Um importante e merecido reconhecimento.
Nestor, desde criança
se habituou a conviver com tintas e materiais artísticos, sendo incentivado
pelos pais a desenhar desde tenra idade. Atualmente, aos trinta e sete anos, já
tem uma carreira consolidada e merecedora de destaque. Estudou com Edson
Antonio Gonçalves, Sara Beltz, Paulo Monteiro, Cândida e Júlio Torres, entre
outros, e freqüentou o ateliê de gravura do Instituto de Arte e Cultura
Garatuja. Fez pós-graduação em Arte-Educação na FAAT - Faculdades de Atibaia e
é formado em Letras na FESB – Fundação de Ensino Superior de Bragança Paulista.
Tem constante interesse em se manter informado e atualizado. Fez capa de livro
para a Prefeitura de Atibaia, ilustrações para a revista Cult, para o jornal
Atibaia Hoje e para outras publicações.
Como artista
plástico, participou de várias mostras, recebeu prêmios, como a “Menção
Honrosa” no XVI Encontro de Artes Plásticas de Atibaia, em 2007, e a “Menção
Honrosa” no Concurso “Yolando Malosi”, também em Atibaia. Suas obras
circularam por vários locais expositivos, inclusive constaram do cenário da
novela do SBT “Jamais te esquecerei”, exibida em 2003.
Enfim, o seu
currículo ilustra várias participações, como o projeto L.A. Atibaia Art
Exchange, exposto na Galeria do Consulado Brasileiro, em Los Angeles, Estados
Unidos, em 2008, e a mostra “Cinco vozes do Brasil”, realizada em Gênova,
Itália, em 2005. Nota-se, sobretudo, a sua evidente ligação com a cidade onde
reside, Atibaia.
Não poderia ser
diferente. Nestor, antes de tudo, é um artista que reflete à sua volta e o seu
dia a dia soa como fonte substancial para a sua criatividade. Seus estudos
fortalecem o seu conhecimento, mas o seu cotidiano reforça a sua alma e é por
meio desta última que veicula a essência de suas obras.
Poderíamos, numa
análise apressada, situar a sua produção com um enorme parentesco com Picasso,
principalmente na série de estudos para Guernica, perceber a presença onírica
de Chagall, num clima de sonhos e até mesmo as abstrações de Kandinsky, cujo
foco é o de transmitir a espiritualidade das “coisas”. Claro que a somatória de
conhecimento exerce de algum modo um magnífico alicerce para apoiar novas
criações. Foi assim com Portinari, que soube muito bem tirar proveito de sua
viagem ao exterior e conhecer o cubismo e outras vertentes artísticas que culminariam
em somatória para compor a sua obra autenticamente brasileira.
No caso da
produção de Nestor, o sua ideário conduz à rapidez do instante, captando o
momento fugaz. Sua mente é sonhadora e poética, ferve com a realidade. Faço
valer o pensamento de Gaston Bachelard para as obras de Nestor, quando diz: “Um
sonhador, unido tão fisicamente à vida das coisas, dramatiza o insignificante.
Para tal sonhador de coisa, tudo tem uma significação humana, em sua minuciosa
fantasia” ¹.
Nestor é o
artista da fantasia, para ele nada é insignificante, tudo pertence à esfera da
vida e tem o seu próprio valor e necessidade. Por isso, o artista consegue num
simples retrato, digo simples no sentido de montagem de cena, ou seja, o
artista consegue mostrar, ao criar uma “cabeça”, muito mais do que mencionar
detalhes e outros artefatos desnecessários. A representação de um rosto diz
muito sobre a ansiedade, a frustração e a esperança. Transmitir o instante é a
sua poderosa arma criativa. Mas não se trata apenas de registrar um breve
momento. Suas obras são instantes, que emanam o passado e o presente ao mesmo
tempo. Elas ligam o tempo.
Para esboçar um
breve ensaio sobre a produção artística de Nestor Lampros, escolhi algumas
obras que, ao meu ver, traduzem sobremaneira o seu contexto de criação como um
todo.
O artista é
versátil ao lidar com os materias. Pinta com tinta óleo e acrílica sobre tela,
madeira, papelão, faz colagens e desenha sobre materiais diversos. Para ele, o
importante é que sua obra possa nascer naquele exato momento, sem delongas,
projetos e estudos.
Antes mesmo de
começar a expor, fato que aconteceu a partir de 1990, o artista já mostrava o
seu modo estilístico em seus trabalhos. Na obra “Estigmanizante”, de 1989, a expressão da figura
é salientada por uma espécie de musculatura, ao tempo que volteados coloridos
que a formam, tecem caminhos e valorizam o estado de devaneio que ela
transmite. Assim como em “Meu Pai”, obra feita no mesmo ano que a mencionada,
mostra esse volteado, como um modo de o artista evidenciar a estruturação
física do retratado.
É importante
observar que o que digo aqui como “volteado” é uma espécie de grafismo que vai
ser acentuada com mais presença em sua produção posterior, sendo que vários de
seus trabalhos chegam ao abstracionismo, graças a sua facilidade de compor
plasticamente com tipos variados de faixas, que ora são feitas com pinceladas
largas, ora são finas com traçados próprios de um exímio desenhista. Registra
essa habilidade mesmo quando pinta.
A partir dos anos
iniciais de 2000, Nestor desenvolve o seu traçado como contínuos arabescos,
usando geralmente o preto. Muitas vezes estes sobrepõem outros feitos em
branco, que sintonizam com o fundo colorido.
O seu traçado é
uma evolução conquistada, sobretudo, pela feitura de colagens. Não é simples,
embora espontâneo, tem uma sequência que se enraiza de modo multidirecional,
conforme a estrutura das formas contidas no plano de fundo.
O interesse pela
escrita e arabescos árabes fortificou o seu traçado, feito, geralmente, com linhas
contínuas, sinuosas, como se prolongassem criando ramificações. O contato com o
amigo e artista Vinicius Berton e a empatia com a obra do artista goiano Siron
Franco aguçaram a sua apreciação para obras “viscerais”, cujas fontes criativas
são de cunho imaginário, permeiando um mundo mágico, repleto de bichos, seres e
paisagens inusitadas.
Os arabescos de
Nestor sintonizam com formas que aludem ao primitivo e aos desenhos das
crianças. Nesse sentido, pode-se perceber que o artista paira suas criações no
âmbito do encanto “pueril”. Encanto este que concebe uma criação em harmonia
com a descontração do "mundo" primitivo e da autenticidade da
criança.
Nestor admira a
obra de Karel Appel. Este artista holandês morreu em 2006, participou da
fundação do Grupo Experimental, em 1948, unindo-o com o Grupo Cobra no mesmo
ano. Desenvolveu uma arte espontânea em oposição à repressão dos anos da
Segunda Guerra Mundial. Seu modo de se expressar artisticamente era uma
tentativa de resgatar os elementos tradicionais da cultura primitiva e a
identidade cultural de seu país, que estava sofrendo uma mudança avassaladora
diante de uma crescente industrialização. Pintava "instintivamente"
como uma criança, utilizando cores vivas e traços grossos. Valorizava o
imediatismo em oposição ao excesso de teoria e de métodos presentes na arte
européia da época, contrariando a tendência mais racionalista da arte abstrata,
que tinha o artista Piet Mondrian como um de seus expoentes ².
Nestor parece
aliar, com características próprias, o seu gosto pelos arabescos árabes e pela
obras de artistas como as de Appel, que mantém a “soltura” primordial do traço
e da pincelada.
Os traçados estão
mais evidentes em sua série de desenhos feita em 2003, cujas distorções
despojadas, compostas por um entrosamento entre o claro e o escuro, mostram
rostos que se consubstanciam com a amargura.
O seu estilo é
inconfundível. O seu traçado participa da pintura, constratando com áreas
pintadas e enaltecendo a figuração. O artista constrói um peculiar momento
pictórico, como nos mostram as obras “Casal I” e “Casal II”, ambas de 2004 e
outras do mesmo ano.
Na “O gorgeio do
pássaro”, de 2005, o menino travesso está com o ouvido ávido à escuta do canto
do pássaro, que por sua vez, gorjeia e tenta transmitir um suposto segredo.
Esta obra traduz a ingenuidade e naturalidade de criação que Nestor consegue
trazer à luz, fazendo valer os contornos escuros em sintonia com um colorido
vivo, sendo valorizado com a sobreposição do branco.
Do mesmo ano, a
obra “Cuidados” mostra a atenção do casal com a criança num mundo poético
noturno estrelado e esperançoso. Esta obra traduz o amor entre pais e filho. No
âmbito da construção compositiva, a área branca e as linhas de contorno ocupam
um momento essencial da concretude criativa.
Esses valores
inerentes à sua produção são evidenciados com maior ênfase nas obras: “6”, de 2005, “A árvore da vida
com um anjo rondeante”, de 2007, “Cabeça”, também de 2007 e “Desenho no
desenho”, de 2008, cujas construções de planos e uso das cores reforçam um
esquema próprio do artista ao lidar com a pintura e o grafismo, que emanam uma
certa musicalidade, graças ao ritmo de suas pinceladas.
Na obra “Harpia”,
de 2008, Nestor enfoca o poder maléfico da figura alada. Esta é raptadora e
atormentadora. Simboliza o vício e as paixões obcecantes. Nesta obra, o artista
parece confluir toda a sua sabedoria expressiva num só “instante”: cores,
formas, composição e “simplicidade”. A simplicidade como força expressiva é,
sem dúvida, a sua maior marca. É a virtude inefável de um poeta artista.
Para ilustrar a
sua obra, recorro ao poema ³ do artista mineiro Fernando Pacheco:
Eu peguei o
vermelho
e pintei de
amarelo.
Eu peguei o azul
e pintei de
preto.
Eu peguei o
cobalto
e pintei de
cádmio.
Eu peguei minha
cara
e pintei de
espelho.
Assim vejo as
obras de Nestor Lampros: são “um sonho repleto de significação humana”.
Paulo Cheida Sans
Referências Bibliográficas:
(1) BACHELARD,
Gaston. A chama de uma vela. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1989, p.48.
Acesso: 27 de dezembro de 2008.
(3) PACHECO,
Fernando. Fernando Pacheco. Belo Horizonte: C/Arte, 2005, p. 09.